PARA SALVAR O MUNDO DO CAPITALISMO TOMANDO O PODER
- C-TLP
- 27 de jun. de 2021
- 11 min de leitura
Atualizado: 29 de nov. de 2024
SAM KNIGHTS

Saving the World From Capitalism by Taking Power, Resenha de "Planet on Fire: A Manifesto for the Age of Environmental Breakdown", em Jacobin, 29/04/2021
Tradução R. d' Arêde
► À medida que o vínculo entre capitalismo e crise ecológica se torna cada vez mais evidente, a filosofia política do ecossocialismo ganha força. Para os ambientalistas de esquerda, não faltam ideias. O que eles precisam agora é de uma estratégia para chegar ao poder.
Em 2001, Joel Kovel e Michael Löwy, dois acadêmicos marxistas, publicaram Um Manifesto Ecossocialista. Eles estavam frustrados com muitos de seus camaradas no Ocidente, que aparentemente nada tinham a dizer sobre a possibilidade de uma catástrofe ecológica e climática. Eles acreditavam que “a esquerda em geral tinha muito pouco interesse na questão ecológica”, e esperavam que o manifesto chamasse seus “camaradas socialistas para a luta ecológica”. “O ecossocialismo ainda não é um espectro, muito menos está ancorado em um partido ou movimento concreto”, escreveram. “É apenas uma linha de raciocínio baseada em uma compreensão da crise atual e das condições necessárias para superá-la”. Esse manifesto, assim como muitos outros antes dele, dialogava de forma consciente com O Manifesto Comunista. No entanto, diferentemente de Marx e Engels, os autores careciam de um movimento ao qual associar suas ideias. Para Kovel e Löwy restava imaginar: “tal espectro poderia ser trazido à existência?”.
Um Manifesto Ecossocialista só apareceu em algumas poucas publicações radicais, e para um número limitado de leitores. Contudo, ao longo dos anos, pesquisadores, estudiosos e ativistas têm revisitado o manifesto na tentativa de compreender e apresentar a emergente história do ecossocialismo.
O mundo tem mudado bastante nas últimas duas décadas. Uma quantidade maior de pessoas tem morrido em decorrência da destruição ambiental, assim como muito mais espécies têm sido declaradas extintas. A crise climática se intensificou, e as pessoas no Norte Global estão começando a perceber aquilo que as pessoas no Sul Global vêm dizendo há séculos: é hora de contra-atacar!
A ERA DO COLAPSO
É neste contexto que Mathew Lawrence e Laurie Laybourn-Langton publicam seu novo livro, Planet on Fire: A Manifesto for the Age of Environmental Breakdown [em tradução livre, “Planeta em Chamas: Um Manifesto para a Era do Colapso Ambiental”]. O livro fala sobre os movimentos que surgiram nos últimos cinco anos – das “greves estudantis em massa aos defensores do novo acordo verde” – e procura orientá-los a uma política ecossocialista mais coerente. “Este livro pretende ser um guia”, escrevem Lawrence e Laybourn-Langton, “para entender como chegamos até aqui, e explorar algumas ideias sobre para onde iremos a seguir”.
No decorrer dos anos, os proponentes do “ecossocialismo” têm se unido em torno de um conjunto abrangente de convicções fundamentais. De modo geral, um ecossocialista é alguém que acredita que o capitalismo deve ser desmantelado para enfrentar a crise ecológica que está diante de nós. Isso significa redefinir o relacionamento entre seres humanos e o mundo natural. Significa também construir um futuro democrático e sustentável, erguido sobre os princípios de justiça, liberdade e solidariedade - ou, como dizem os autores, “um futuro de florescimento coletivo”.
Ao longo da história, os ambientalistas de esquerda vêm se colocado na linha de frente das campanhas para democratizar a sociedade, transformar a economia e proteger o meio ambiente. De Gerrard Winstanley a William Morris, eles têm procurado reimaginar nosso quebrado, arruinado mundo. E lutam para expandir os bens comuns, aumentar o tempo livre e repensar nosso relacionamento com o capital. O livro é uma tentativa brilhante de unir essas ideias, consolidar tal pensamento e conectar todo o trabalho vital que já vem sendo feito hoje. “Trata-se de um projeto já em curso”, escrevem os autores”, e que “avança ainda mais a cada dia”.
Lawrence e Laybourn-Langton escreveram aquilo que eles chamam de “manifesto para a era do colapso ambiental”. Apesar do título um tanto audacioso, há uma evidente modéstia em seu trabalho. Eles estão bem conscientes das pessoas e movimentos que os precedem, e não procuram reivindicar essas ideias como ideias próprias. Os autores estão conscientes de suas limitações e admitem que seu foco de atenção são os Estados Unidos e o Reino Unido, “os países que melhor conhecemos”. Eles afirmam que devemos agora “aproveitar os recentes avanços, aprender com os erros e derrotas e preparar o terreno para uma frente popular capaz de renovar a esperança econômica e política”.
DAS IDEIAS À AÇÃO
A crise climática, dizem eles, é uma questão de poder. Nós já temos as ideias e os recursos para uma mudança transformadora: “O desafio é mobilizar o poder e a energia necessários para fazer frente à dimensão da emergência”. O ecossocialismo é a resposta óbvia – mas o que Lawrence e Laybourn-Langton querem dizer quando invocam esse termo? A princípio, eles definem “ecossocialismo” como “o esforço coletivo para democratizar nossas instituições econômicas e políticas, reorientando-as ao bem-estar social e ao florescimento individual, enraizados em um mundo natural fecundo e próspero”. Se você não gosta da palavra ecossocialismo, dizem eles mais adiante no livro, “então use outra.” Esse não é um manifesto que está particularmente preocupado com teoria política.
Tanto Lawrence quanto Laybourn-Langton trabalham para think tanks – a Common Wealth e o Institute for Public Policy Research, respectivamente. O livro está repleto de sugestões políticas e proporciona ao leitor uma ampla e bem fundamentada visão de mudança sistêmica radical. É acessível, ainda que matizado; detalhado, mas abrangente. Contudo, essa abordagem pode eventualmente limitar o escopo de seu projeto. Até o último capítulo, pouco se fala em teoria política ou estratégia revolucionária. Os autores identificam o poder como o problema, mas não focam na questão do como conquistar tal poder. Embora eles digam repetidamente que “uma ideia não é o suficiente”, este é um livro de ideias. Um “plano para o florescimento da vida”, mas como realizaremos esse plano não está muito claro.
Esta talvez seja uma crítica injusta. Um livro não pode alcançar todos os seus objetivos, e os autores estão tentando fazer algo diferente aqui. Quando esteve em The Owen Jones Show, Mathew Lawrence repetiu sua reivindicação central: “O problema não é que não tenhamos as ideias, e sim como construiremos coalizões políticas que sejam capazes de superar o entrincheiramento de interesses poderosos.”
O problema não é que não tenhamos as ideias, e sim como construiremos coalizões políticas que sejam capazes de superar o entrincheiramento de interesses poderosos.
Esse manifesto é uma tentativa de dar conta da primeira parte dessa reivindicação, procurando mostrar que já temos ideias em abundância e podemos, então, discutir mais facilmente como colocá-las em prática. É uma resposta àqueles que dizem: “bem, e o que você faria então?”
UM, DOIS, MUITOS NOVOS ACORDOS VERDES
Lawrence e Laybourn-Langton articulam uma visão convincente de futuro, “ancorada na democracia, na justiça e na solidariedade mútua”. Eles procuram “desmontar hierarquias de riqueza, classe, gênero, raça e poder na sociedade, substituindo-as por relacionamentos democráticos e coletivos poderosos”. As ideias que apresentam incluem ações para democratizar as finanças, investir em serviços públicos, escalonar modelos alternativos de propriedade, promover a construção de riqueza comunitária, ampliar os bens comuns e reimaginar a organização empresarial. Eles apoiam políticas específicas para combater a pobreza alimentar, restaurar áreas e processos naturais nas cidades, reduzir o uso de carros e reimaginar o trabalho.
Essa visão aproveita o novo acordo verde e vai muito além. Como os autores dizem na introdução, “precisamos de um, dois, muitos novos acordos verdes”. Embora Lawrence e Laybourn-Langton não falem em partidos políticos de forma explícita, a sombra das últimas eleições gerais na Grã-Bretanha paira de forma notável. É impossível ler Planet on Fire sem pensar no manifesto do Partido Trabalhista [britânico] em 2019. Este documento transformador coloca “uma revolução industrial verde” no coração de sua proposta política; os dois textos incluem muitas políticas semelhantes.
Se os críticos acharam que Jeremy Corbyn fez promessas demais, espere até ler esse livro. Não faltam boas ideias – nem bons manifestos aos quais recorrer. Na verdade, em certo sentido, Planet on Fire é um manifesto dos manifestos: um catálogo de boas ideias, baseado na tradição ecossocialista e mirando esperançosamente um futuro mais justo e sustentável. Contudo, o passado também é importante. Os autores dizem, em duas ocasiões, que a “palavra de ordem” da nova era deveria ser “luxo público para todos”. Outros termos são utilizados de forma intercambiável: “florescimento coletivo” e “luxo comunal”[1]. A visão de luxo comunal baseia-se no trabalho de pensadores contemporâneos, embora aponte para a ideia de luxo comunal surgida inicialmente na Comuna de Paris, em 1871.
Como Kristin Ross mostrou, os revolucionários parisienses tentaram construir uma sociedade onde a felicidade humana fosse colocada acima da acumulação privada de capital; a criatividade foi parte essencial da revolução. Os artistas que apoiaram a comuna elaboraram seu próprio manifesto: argumentavam que a arte deveria estar integrada à vida pública, em vez de ser tratada como um bem privado. Eles queriam reimaginar o trabalho e o lazer, e estavam ansiosos pelo “nascimento do luxo comunal”.
Assim, Planet on Fire recupera alguns dos manifestos que vieram antes dele. Lawrence e Laybourn-Langton querem que espaços de lazer abundantes em termos ambientais sejam uma prioridade. Assim como os revolucionários da Comuna de Paris, eles defendem serviços básicos universais e uma jornada de trabalho semanal mais curta, assim como reafirmam sua definição de ecossocialismo como uma “meta que exige outro tipo de economia”, promovendo “o luxo comunal em sociedades de beleza cotidiana”.
REALISMO UTÓPICO
Os autores insistem que essa visão de “abundância sustentável” não deve ser considerada uma utopia. Em 2013, o Partido de Esquerda francês fez uma reivindicação semelhante em seu próprio manifesto ecossocialista – um documento visionário que, é claro, estava à frente de seu tempo. “O ecossocialismo não é uma utopia à qual a realidade deva se ajustar”, alega o manifesto; pelo contrário, ele é uma “resposta humana racional” aos problemas de nosso tempo.
Essa é uma alegação compreensível, visto que os críticos frequentemente acusam os ecossocialistas de serem irrealistas ou ingênuos. Contudo, como John Storey assinalou, nossas ideias a respeito do que deve ser considerado “realista” ou “utópico” são inerentemente subjetivas e politizadas: a realidade é um consenso organizado construído em torno das necessidades de um grupo de pessoas relativamente pequeno. Quando se declara que o utopismo radical é irrealista, é contra tais construções da realidade que ele está se chocando, e não contra alguma realidade absoluta. Em outras palavras, precisamos ter mais confiança em nossas visões e mais fé na utopia. Não há nada de impraticável no ecossocialismo, assim como o impulso utópico não é necessariamente irrealista. A socióloga Ruth Levitas, que tem escrito exaustivamente sobre o pensamento utópico, argumenta que “o elemento essencial na utopia não é a esperança, mas o anseio - o anseio por uma forma melhor de existir”. Ler Planet on Fire é exercitar essa aspiração utópica, e não devemos ter vergonha de admitir isso.
A realidade é um consenso organizado construído em torno das necessidades de um grupo de pessoas relativamente pequeno. Quando se diz que o utopismo radical é irrealista, é contra tais construções da realidade que ele está se chocando, e não contra alguma realidade absoluta.
A imaginação utópica é necessária para o desenvolvimento de alternativas genuínas ao capitalismo. Ela destrava o desejo por um mundo diferente, abrindo novas possibilidades. Fredric Jameson escreveu que “a utopia, enquanto forma, não é a representação de alternativas radicais; é, antes e simplesmente, o imperativo de imaginá-las”. A imaginação está no coração dessa visão – Lawrence e Laybourn-Langton declaram, ao final do livro, que “recuperar o futuro exigirá uma imaginação suprema”.
É notório que Marx tenha se recusado a escrever "receitas para as cozinhas do futuro"[2], mas isso não significa que visões sobre o futuro não apareçam em seu trabalho. Em A Ideologia Alemã, Marx e Engels tentam imaginar o futuro sob o comunismo: "numa sociedade comunista não há pintores, mas, no máximo, homens que, entre outras atividades, também pintam"[3]. Isso soa, aparentemente, como os artistas revolucionários da Comuna de Paris. Nos Grundrisse, Marx argumenta que o comunismo resultará na expansão do "tempo livre, que é tanto tempo de ócio quanto tempo para atividades mais elevadas".[4]
Muitas das ideias presentes em Planet On Fire são, em sua raiz, verdadeiramente utópicas. Considere Gerrard Winstanley, o radical inglês do século XVII, quando declarou que “a terra foi feita para ser um tesouro comum dos meios de subsistência para todos, sem acepção de pessoas, e não para ser vendida e comprada”. Sem tais ideias utópicas não existiria ecossocialismo hoje. É importante lembrar disso.
O PRIMEIRO PASSO
É isso que torna Planet On Fire um livro tão cativante. Ele está abarrotado de ideias ousadas, ambiciosas, que podiam parecer impraticáveis no passado, mas que se mostram agora altamente plausíveis. Lawrence e Laybourn-Langton estão interessados nisso, ideias, e deixam que elas se tornem o centro das atenções.
Há vinte anos, quando Joel Kovel e Michael Löwy escreveram Um Manifesto Ecossocialista, eles só puderam reunir e articular uma quantidade limitada de palavras. Naquela época, eles ainda tentavam convencer as pessoas a se importar. Hoje, a esquerda não precisa ser convencida, e podemos encher livros inteiros com nossas ideias. O espectro do ecossocialismo finalmente foi conjurado.
A ideologia, no entanto, não é tão diferente. Ambos os manifestos invocam as mesmas expressões: “crise”, “catástrofe”, “ecossocialismo ou ecobarbárie”. Ambos rejeitam o capitalismo e enquadram a crise ecológica de modo semelhante, além de fazerem referência à mesma famosa citação de Antônio Gramsci: “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer; nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”. Dessa forma, a utopia ecossocialista é apresentada como o “novo mundo” que ainda está por nascer, mas os autores deixam claro que isso é apenas o início da jornada. Planet On Fire não é um livro sobre um futuro teórico, mas um “manifesto para a era do colapso ambiental”; um manifesto para os dias hoje, “este interregno”.
"A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer; nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”
Em 1999, Saral Sarkar escreveu um livro intitulado Eco-socialism or Eco-capitalism?, com o qual pretendia alcançar um objetivo semelhante. Sarkar alegava que era muito difícil imaginar um futuro ecossocialista: “e isso também não é urgente para nós. Para nós, o período de transição é mais importante”. Para Sarkar, havia uma diferença significativa entre o ecossocialismo durante a transição e o modelo acabado de uma sociedade ecossocialista: a princípio, um Estado forte seria necessário para assegurar um recuo planejado e ordenado, após o qual o Estado poderia ser gradualmente democratizado e, quando apropriado, desmantelado.
Lawrence e Laybourn-Langton não oferecem teorias de transição explícitas, contudo, fica a impressão de que a democracia não é um subproduto derivado da transição, antes sim parte integrante do processo. Inspirando-se no grande ambientalista Murray Bookchin, o foco deles está no aprofundamento da democracia: “ao criar benefícios materiais tangíveis, e promover novas formas de engajamento democrático, os comuns[5] do século XXI podem prefigurar transformações sistêmicas ainda maiores”.
No último capítulo, Lawrence e Laybourn-Langton oferecem alguns poucos pensamentos preliminares sobre a estratégia ecossocialista, afirmando que precisamos tanto das estratégias “de cima para baixo” como das “de baixo para cima”. Esta é a parte menos convincente do livro. Em certo momento, eles comparam uma futura transformação ecossocialista ao processo de neoliberalização sob Margaret Thatcher – uma tentativa de nos fazer entender a magnitude da coisa, mas o exemplo é pouco convincente.
Para que surja uma nova estratégia, insistem, precisamos de cinco componentes centrais, a saber, uma visão alternativa do futuro, um antagonismo construtivo ao capital, um claro senso de coalizão, uma evidência demonstrável da alternativa e uma estratégia clara de priorização. Planet on Fire é o primeiro dos cinco aspectos indicados, uma visão essencial do futuro que, espero, tenha um enorme impacto no socialismo contemporâneo.
O desafio à frente é imenso. Como os autores observam já no primeiro capítulo: “Há poucos exemplos históricos, possivelmente nenhum, de sociedades que empreenderam com sucesso uma ação tão fundamental e transformadora em tão pouco tempo”. O caminho à frente é perigoso e incerto. Assim, levemos adiante este manifesto e todos os manifestos que vieram antes dele. Aprendamos com os movimentos de resistência no Sul Global e sejamos humildes em nossa resposta; muitas destas ideias já estão circulando há séculos e são baseadas em conhecimentos antigos conservados por comunidades indígenas.
Por tanto tempo quanto os seres humanos vêm caminhando sobre a Terra, estas ideias têm existido. Agora precisamos iniciar a urgente tarefa de organizar, mobilizar e tomar o poder. Temos o manifesto, é hora de falarmos de estratégia.
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