TESES PRELIMINARES SOBRE O CONCEITO DE ECOCIVILIZAÇÃO
- C-TLP
- 23 de mar.
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Atualizado: 5 de mai.
JOHN BELLAMY FOSTER

Some Preliminary Theses on the Concept of Eco-Civilization, apresentação de John Bellamy Foster no Simpósio Internacional “China’s Eco-Civilizational Progress in a Changing World”, Universidade de Peking, 20/10/2024, publicada em Monthly Review, Vol. 76. N. 8 (Janeiro/2025) ○ 23/03/2025 | (crédito da imagem: Lauris Rozentāls)
Teses preliminares sobre o conceito de ecocivilização | Tradução Ricardo d' Arêde (também em A Terra é Redonda)
► Embora tenha raízes filosóficas antigas, a civilização ecológica, enquanto perspectiva histórica transformadora, é um produto da sociedade pós-revolucionária e do desenvolvimento do socialismo (...) A crise ecológica planetária demanda uma revolução ecológica, envolvendo tanto as forças produtivas quanto as relações sociais.
No século XIX, durante a Revolução Industrial na Inglaterra, a cidade de Newcastle era o centro da indústria carvoeira. A expressão “levar carvão para Newcastle” surgiu, então, para indicar a inutilidade de se levar alguma coisa para um lugar onde essa coisa já existe em abundância. Para um pensador ocidental, falar sobre civilização ecológica (ou ecocivilização) a uma audiência na China é como levar carvão para Newcastle, uma vez que é precisamente na China que esse conceito está mais altamente desenvolvido. Ainda assim, defenderei que a noção de ecocivilização está intrinsecamente relacionada ao marxismo. Portanto, essa apresentação estará direcionada ao exame do conceito de ecocivilização a partir de uma perspectiva marxista ecológica mais abrangente. A este respeito, tenho dez teses preliminares sobre o conceito de ecocivilização.
1) O conceito de civilização ecológica tem origens marxistas e é inerentemente socialista. A primeira vez que este conceito apareceu como uma visão sistemática foi no final da década de 1970 e nos anos 80, na União Soviética, inspirado pelas considerações do pensamento ecológico de Karl Marx e imediatamente adotado pelos pensadores chineses. Até hoje o conceito não tem praticamente qualquer presença no Ocidente, uma vez que está radicalmente separado da noção de civilização capitalista, assim como das visões eurocêntricas da modernidade[1]
2) A perspectiva filosófica fundamental da ecocivilização tem raízes profundas nas primeiras noções civilizacionais da modernidade, ou da relação ativa do ser humano com o mundo orgânico-material, como descrito pelos pensadores marxistas Joseph Needham e Samir Amin em suas críticas ao eurocentrismo. Esta perspectiva filosófica orgânico-materialista emergiu no período conhecido como Era Axial[i], particularmente na civilização helênica e no período dos Estados Combatentes na China, entre os séculos V e III a.C. O próprio Marx abraçou uma visão orgânico-materialista desde cedo, desenvolvendo uma noção de seres humanos como seres automediadores da natureza — uma noção que rompia com o mecanicismo ocidental e com as concepções eurocêntricas da modernidade, influenciada por seu encontro com a filosofia materialista epicurista[2]. No entanto, grande parte desta visão ficou submersa no marxismo posterior, e foi completamente extinta na tradição filosófica marxista ocidental. Na China, a continuidade da civilização a partir do taoísmo (que tem paralelos com o epicurismo), do confucionismo e do neoconfucionismo, significou a perpetuação dessas visões orgânico-materialistas iniciais, tornando a China mais receptiva à ecologia e às perspectivas ecológicas de Marx em particular[3].
3) Embora tenha raízes filosóficas antigas, a civilização ecológica, enquanto perspectiva histórica transformadora, é um produto da sociedade pós-revolucionária e do desenvolvimento do socialismo. Ela reflete a noção de seres humanos como seres automediadores da natureza, que é parte integrante da visão completa de Marx sobre o desenvolvimento humano sustentável, incorporada em sua teoria da ruptura metabólica. Esta abordagem rejeita qualquer noção de que a ecocivilização seja um produto direto do pré-modernismo ou do pós-modernismo, ou que possa ser explicada, como alguns teóricos da ecologia chineses propuseram, pelo encadeamento das civilizações tradicional, agrícola, industrial e ecológica[4].
Embora tenha raízes filosóficas antigas, a civilização ecológica, enquanto perspectiva histórica transformadora, é um produto da sociedade pós-revolucionária e do desenvolvimento do socialismo.
4) O conceito de civilização ecológica socialista na China foi o que mais completamente incorporou essas ideias. A civilização ecológica socialista deve ser considerada um desenvolvimento dentro do socialismo. É importante enfatizar que não pode existir qualquer conceito de “civilização ecológica capitalista”, uma vez que o capitalismo é inerentemente alheio e destrutivo em relação à natureza/ecologia. Assim, falar de civilização ecológica socialista é simplesmente falar de socialismo completo, como realização plena do desenvolvimento humano sustentável, que incorpora tanto a igualdade substantiva quanto a sustentabilidade ecológica; significa a reconciliação da humanidade com a natureza.
5) A civilização ecológica aponta para aquilo que os marxistas chineses apresentaram como a necessidade de “modernização da existência harmoniosa entre a humanidade e a natureza”. Essa ideia é sustentada pelos princípios básicos do socialismo. Portanto, é antitética à chamada modernização ecológica, entendida como uma filosofia mecanicista e como um projeto puramente tecnocrático no Ocidente[5]. Ao mesmo tempo, ela adota algumas das mesmas tecnologias necessárias à transformação ecológica, porém utilizadas em conformidade com os princípios socialistas, exigindo relações sociais diferentes. O que é crucial aqui é a concepção fundamentalmente diferente de modernização no marxismo chinês e no pensamento ecológico[6].
6) O conceito de “comunidade de vida”, desenvolvido pela teoria ecológica socialista na China, é essencial para definir a civilização ecológica. Ele possui três dimensões: 1) uma comunidade de vida com os ecossistemas; 2) “a comunidade de vida da humanidade e da natureza”; e 3) uma síntese dialética, constituindo a “comunidade de toda a vida na terra” e um “futuro compartilhado”[7]. Como escreveu o grande conservacionista estadunidense do início do século XX, Aldo Leopold, “Abusamos da terra porque a consideramos uma mercadoria que nos pertence. Quando vemos a terra como uma comunidade à qual pertencemos, podemos usá-la com amor e respeito”. Leopold propôs uma ética da terra que ampliava “os limites da comunidade (...) a fim de incluir solos, águas, plantas, animais ou, coletivamente, a terra”[8]. Marx argumentou que ninguém é dono da terra; nem mesmo todos os países e todas as pessoas do planeta podem sê-lo. São apenas “seus possuidores, seus beneficiários, e têm de legá-la em melhor estado às gerações seguintes, como boni patres familias [bons chefes de família]”[9].
7) A noção de sustentabilidade ecológica inserida no conceito de comunidade da vida é exemplificada no “Pensamento de Xi Jinping sobre a Civilização Ecológica”. Xi declarou que, se tivermos de escolher entre “montanhas de ouro” e “montanhas de verde”, é preciso escolher as montanhas de verde, reconhecendo que “as águas límpidas e as montanhas verdejantes são ativos inestimáveis”. Adotando uma abordagem materialista marxista da ecologia, Xi argumentou que a ecologia é “a forma mais inclusiva de bem-estar público”. Fazendo eco a Friedrich Engels sobre a “vingança” da natureza, Xi afirmou que “qualquer dano infligido por nós à natureza acabará voltando para nos assombrar". Além disso, ele insiste que a questão da natureza vai além da mera sustentabilidade material, abrangendo mesmo a estética, como em seu conceito de “Bela China”[10]. Dessa forma, a noção de civilização ecológica como comunidade de vida é expandida, adquirindo um significado social mais amplo para o trabalhador coletivo por meio da renovação da linha de massa.
8) Marx argumentou que o roubo da natureza pelo capitalismo, resultando na ruptura metabólica, implica o enfraquecimento da eterna base natural ou ecológica da civilização. Isso significa que a relação metabólica precisa ser restaurada, o que só é possível sob o socialismo[11]. Com o mundo sendo engolido por uma crise ecológica planetária, tal restauração é a primeira das prioridades (desconsiderando a ameaça nuclear) a determinar o futuro da humanidade. Nos países ricos, caracterizados pela sobrecarga ambiental[ii], isso levanta a questão do decrescimento. No entanto, para a humanidade como um todo, levanta-se a questão do desenvolvimento humano sustentável e, em última análise, da civilização ecológica sob o socialismo completo.
9) O conceito de decrescimento estava ausente no socialismo do século XIX, muito embora Marx já tivesse uma visão de desenvolvimento humano sustentável. O decrescimento, enquanto processo de desacumulação, adquire todo o seu significado a partir de uma perspectiva marxista do sistema irracional do capitalismo monopolista/imperialista e de suas crises de superacumulação. Dessa forma, qualquer movimento decisivo em direção à ecologia nos países capitalistas centrais do sistema mundial exige um afastamento das estruturas do capitalismo monopolista/imperialista[12]. Os países capitalistas dominantes, que também são os países monopolistas-capitalistas e imperialistas centrais, caracterizam-se ecologicamente pela sobrecarga ambiental, com pegadas ecológicas que ultrapassam — em alguns casos, três ou quatro vezes mais — aquilo que a Terra poderia suportar, caso fossem generalizadas para a humanidade como um todo. Essas enormes pegadas ecológicas são um reflexo do imperialismo econômico e ecológico. Portanto, do ponto de vista da humanidade global, estas nações devem reduzir, drástica e desproporcionalmente, o seu consumo de energia per capita, assim como a utilização de recursos e as emissões de carbono, juntamente com a sua expropriação líquida de riquezas do restante do mundo. Uma vez que o capitalismo monopolista promove um imenso desperdício econômico como meio de acumulação/financeirização, gerando pobreza artificial, e exibe níveis astronômicos de desigualdade, em que um punhado de indivíduos possuem mais riqueza do que metade da população, uma estratégia planejada de decrescimento é consistente com uma drástica melhoria das condições econômicas e sociais para a maioria da classe trabalhadora[13].
10) Em todos os países do mundo, a crise ecológica planetária demanda uma revolução ecológica, envolvendo tanto as forças produtivas quanto as relações sociais. Para todos os casos, isto implica o desenvolvimento do proletariado ambiental em confronto com o capitalismo monopolista generalizado e o imperialismo. Na China, e em alguns outros países pós-revolucionários, isto pode ser alcançado através de uma linha de massas ecorrevolucionária e da construção de uma sociedade sustentável, enraizada nas estruturas comunitárias e coletivas já existentes. Para a maior parte dos países do Sul Global, o desenvolvimento humano sustentável exige uma desvinculação do sistema imperial de valores e a ação revolucionária de um proletariado ambiental orientada à sobrevivência humana e à criação planejada de uma sociedade de desenvolvimento humano sustentável. No próprio Norte Global, a revolução ecológica exige a destruição do imperialismo e a reintegração de toda a humanidade sobre uma base igualitária, em um processo de solidariedade mundial. As pegadas ecológicas precisam ser niveladas globalmente. Não há como o trabalho ser ecológico nos países ricos quando as bases da existência ecológica nos países pobres (e no planeta como um todo) são arruinadas.
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